Hoje, 11, é o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência e para celebrar a data, o Butantan Notícias fez uma entrevista especial com a diretora do Biotério Central, a pesquisadora Vânia Gomes de Moura Mattaraia, que tem se dedicado à Ciência há 38 anos.
O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência foi estabelecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2015, com o objetivo de dar visibilidade para as mulheres cientistas, quebrar estereótipos e estimular a reflexão e o debate sobre a desigualdade de gênero neste setor. Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), no mundo, as mulheres representam menos de 30% dos pesquisadores. No Brasil, o dado é um pouco mais equilibrado e as pesquisadoras já representam 49% do universo científico, sendo que a chegada delas aos cargos de liderança é um dos grandes avanços históricos, na avaliação de Vânia.
Casada (há 35 anos), mãe de dois filhos e avó da Valentina, 6, a pesquisadora falou sobre suas experiências pessoais e sobre o que tem mudado para as mulheres na Ciência, na sua opinião. Com um livro de grande sucesso publicado em 2009 (“Cuidados e Manejo de Animais em Laboratório”) e uma passagem de quatro anos pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, Vânia agora celebra a criação do primeiro curso de Biotério, recém aprovado pelo Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo e que fará parte da Esib (Escola Superior do Instituto Butantan).
Confira a entrevista:
Butantan Notícias – Como você se aproximou da área da pesquisa científica, na época em que ainda era estudante?
Vânia Mattaraia – Eu sabia que gostaria de algo na área de biologia e tinha uma tendência para trabalhar com animal, mas não queria Medicina Veterinária. A Zootecnia era uma área que, naquela época, estava começando e era mais direcionada à produção. Então, fiz o vestibular e passei na Faculdade Federal Rural de Pernambuco. Fiquei entre as 10 melhores notas.
BN – E sua carreira no Butantan especificamente, como tudo começou?
Vânia - Entrei aqui, no IB, em 1990, eu tinha 32 anos e já era mãe. Por meio do Programa de Aprimoramento Profissional (PAP), fui estagiária no Biotério Central por dois anos. Depois, prestei um concurso para assistente de pesquisa e, por fim, outro concurso me tornou pesquisadora científica.
B.N - Como você descreveria as limitações para a mulher na pesquisa, quando você iniciou sua carreira e hoje? O que mudou de lá pra cá?
Vânia - Era muito difícil ver linhas de pesquisas lideradas por mulheres. No início da minha carreira, até tinham muitas mulheres na área, mas isso era mais na produção. Você não as via na liderança. E, ao longo dos anos, percebi que alcançamos isto. Por exemplo, aqui no biotério a equipe técnica é composta por mulheres e a equipe executora é composta por homens, porque é um trabalho que exige mais força física. É o inverso do que acontecia quando comecei.
B.N - O que você diria para uma mulher/menina que está no começo da carreira de pesquisadora científica?
Vânia - Eu diria para ela refletir se é a área que ela realmente quer. Se for, abrace como se fosse um filho. Sua carreira é basicamente isso: um filho que você vai precisar cuidar. Ela vai exigir muito de você. Então, se prepare. Busque qualificação e vá em frente. O importante é escolher algo que te faça feliz. Não existe um profissional de sucesso se ele não for feliz e realizado no que faz.
B.N - E, se pudesse, o que diria para você mesma lá no comecinho?
Vânia - Eu diria estude, se prepare, se capacite. Não desista, chame o desafio, enfrente-o. A gente só cresce enfrentando os desafios da vida.
B.N – Como mulher, qual foi o grande desafio para a sua vida pessoal?
Vânia - O desafio do compromisso com a maternidade. Quando entrei no Butantan, eu já era mãe de dois, sendo que o menor tinha dois anos. Então, eu precisava administrar trabalho e família. Tive que dosar e priorizar a qualidade do tempo com eles. O tempo da família era só com a família, sempre com muita conversa e transparência. Hoje, vejo que eles incorporaram esse gosto que tenho por trabalhar. Às vezes, viro e falo “você está trabalhando demais” e eles dão risada como quem diz “você falando isso?" [risos].
B.N – E você chegou a ouvir algo, por ser mulher, ao longo da sua carreira que considerou absurdo?
Vânia – Sim, uma vez, em uma entrevista de emprego, um gestor me disse: "nossa, mas você é casada e tem dois filhos? Estou procurando alguém para resolver meus problemas e não para me trazer mais problemas". Fiquei abismada. Meus filhos nunca foram problemas, sempre solução. Eu precisei batalhar muito para chegar até aqui, mas posso dizer que provei para todos que sou capaz.
B.N – Em algum momento chegou a pensar em desistir em meio aos desafios?
Vânia – Sim. Eu também cheguei a ser "proibida", por um chefe, de fazer meu mestrado. Eu achava absurdo e não aceitava, mas graças ao apoio do meu marido, que sempre muito calmo dizia que a situação seria passageira, e claro de toda a minha família, que sempre me encorajou muito, eu persisti e consegui fazer todas as minhas especializações. Sem eles, nada disso teria sido possível. Eu acho que o apoio familiar é imprescindível para que nós sejamos fortes para conquistar o que é nosso por direito.
B.N - Qual sua opinião sobre a internet para o avanço das mulheres na ciência?
Vânia - É um facilitador. Antes, os cientistas, no geral, só eram conhecidos pelo sobrenome e, como só eram homens que lideravam, as pessoas acabavam conhecendo você em um congresso e diziam "nossa, olha, a Mattaraia é mulher". Com o advento da internet, isso está mudando. Você coloca o nome de alguém na internet e descobre tudo sobre aquela pessoa. Isso nos deixa mais de igual para igual e acho que os próprios homens estão entendendo isso.
B.N – Quais foram as suas conquistas profissionais mais marcantes ao longo da carreira?
Vânia - O que mais me marcou foi o lançamento do meu livro "Cuidados e Manejo de Animais em Laboratório", em 2009, é uma obra que reúne mais de 50 pesquisadores de todo o país, teve uma aceitação enorme e, até hoje, é muito consultada nesta área de biotério. Outra coisa que me deixou muito feliz foi participar do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, em 2014. Fiquei quatro anos, tempo máximo que alguém pode ficar. Nesse período, coordenei o Guia Nacional de Roedores Lagomorfos, que norteia o trabalho em biotério, e consegui coordenar o de serpentes e anfíbios, que foi todo escrito pelo pessoal do Butantan. Ah, e não posso esquecer da recente aprovação do curso, que, pela primeira vez, formará especialistas em Biotério.
B.N - Qual é sua rotina de trabalho aqui no Butantan hoje?
Vânia - Aqui no Biotério do IB, por ser uma área estratégica, todos os dias a rotina é modificada. Trabalhamos com vários departamentos, desde os laboratórios de pesquisa até a bioindustrial. Participo de várias comissões e também estou bastante envolvida com a Esib (Escola Superior do Instituto Butantan).
BN – E o seu curso de Biotério foi aprovado neste início de ano pelo Conselho Estadual de Educação (publicação nesta segunda, dia 10, no Diário Oficial do Estado de São Paulo. Qual a sensação?
Vânia – Este curso, que, pela primeira vez, formará especialistas em Biotério. Isso é um grande ganho para mim, que entrei numa carreira como estagiária e, hoje, proponho curso para formar especialistas nessa área que tanto amo. Isso me deixa feliz e orgulhosa. Amo o que faço e sou muito feliz de trabalhar aqui.
B.N - O que você mais gosta de fazer fora do trabalho?
Vânia - Quando estou fora do trabalho gosto de fazer várias coisas como ler, fazer artesanato, decoração e curtir muito a Valentina, minha neta de quase 6 anos. Passar o tempo com a minha família e com meu marido, companheiro de 35 anos.
B.N - Hoje, qual é seu maior sonho?
Vânia - Eu poder preparar minha equipe para quando eu me aposentar. Quero poder sair com a certeza de que eles vão continuar tudo o que estamos fazendo hoje. Quero poder dizer que os capacitei, que os deixei prontos. Entende?
B.N - Se você pudesse fazer um pedido, qual seria?
Vânia - Que as pessoas passassem a ver a ciência como algo próximo delas, algo do dia a dia. Se você analisar, tudo é ciência, ela faz parte da nossa rotina. Acho que precisamos levar isso, cada vez mais, para as crianças. Só assim a próxima geração será diferente, pensará diferente. E seremos todos iguais.
(Por Gabriela Ribeiro)